A ODISSEIA DOS JUDEUS
Olá, pessoal. Tudo Bem?
Achei esse texto
em um livro publicado sob o nome “Os Grandes Filósofos – A Filosofia de
Espinosa” de autoria de Will Durant, publicado há alguns anos (e põe anos nisso) pela Ediouro.
Para quem assistiu
à aula sobre a História dos Judeus com o professor Darlyson, quando lê-lo, vai
parecer que está vendo um filme. Tem tudo a ver e por isso quis compartilhar
com os meus amigos.
A História
dos judeus desde a sua dispersão é uma epopeia na História da Europa. Afastado
de sua pátria pela conquista de Jerusalém pelos romanos (70 d.C.) e espalhado
pela fuga e pelo comércio por todas as nações e continentes; perseguido e
dizimado pelos adeptos das grandes religiões (cristianismo e maometismo,
nascidos de suas Escrituras e Tradições); impedido pelo sistema feudal de
possuir terras e pelas associações medievais de participar na indústria;
encerrado em guetos congestionados, insultado pelo povo e roubado pelos reis;
construindo com suas finanças e comércio burgos e cidades indispensáveis à
civilização; rejeitado e expulso, ofendido e injuriado; - e, ademais, sem
estrutura política, sem nenhum vínculo legal de unidade social, sem mesmo uma língua
comum, esse povo maravilhoso susteve-se de corpo e alma, preservou sua
integridade racial e cultural, conservou com amor seus ritos e tradições mais
antigos, esperou com paciência e decisão o deia de sua libertação, ressurgiu
mais numeroso do que outrora, famoso em todos os campos pelas contribuições de
seus gênios e reintegrou-se triunfantemente, após dois mil anos de
peregrinações, em sua antiga e nunca esquecida pátria. Qual o drama que poderia
competir com a grandiosidade desses sofrimentos, a variedade dessas cenas e a
glória e justiça desse final? Qual a obra de ficção que poderia se comparar a
essa novela da realidade?
A dispersão
começara muitos séculos antes da queda da Cidade Santa; saindo por Tiro, Sidon
e outros portos os judeus haviam se espalhado no estrangeiro por todos os canos
do Mediterrâneo – Atenas e Antioquia, Alexandria e Cartago, Roma e Marselha,
chegando mesmo à distante Espanha. Após a destruição do Templo a dispersão
transformou-se quase que em migração em massa. Fundamentalmente, o movimento
seguiu duas correntes; uma ao longo do Danúbio e do Reno e daí mais tarde dirigiu-se
para a Polônia e Rússia; a outra foi para a Espanha e Portugal com os conquistadores
mouros (711 d.C.). Na Europa Central os judeus distinguiram-se como comerciantes
e financistas; na Penísula Ibérica absorveram os conhecimentos matemáticos,
médicos e filosóficos dos árabes e desenvolveram sua cultura própria nas
grandes escolas de Córdova, Barcelona e Sevilha. Ali, no século XII e XIII, os
judeus desempenharam papel proeminente na transmissão da cultura antiga e
oriental à Europa Ocidental. Foi em Córdova que Moisés Maimônides (1135-1204),
o maior médico de sua época, escreveu seu famosos comentário da Bíblia, o Guia
para os Perplexos; foi em Barcelona que Hasdai Crescas (1370-1430) propôs
heresias que sacudiram todo o judaísmo.
Os judeus da
Espanha prosperaram e floresceram até a conquista de Granada por Fernando, em
1492, e a expulsão final dos mouros. Os judeus peninsulares perderam então a
liberdade que desfrutavam sob o domínio tolerante do Islão. A Inquisição
abateu-se sobre eles dando-lhes a opção do batismo e prática do cristianismo ou
exílio e o confisco dos bens. A razão disso não foi porque a Igreja fosse
violentamente hostil aos judeus – os papas repetidamente protestavam contra as
barbaridades da Inquisição; mas o Rei da Espanha achava que poderia engordar
sua bolsa com a riqueza pacientemente acumulada por essa raça estrangeira.
Quase no mesmo ano em que Colombo descobriu a América, Fernando descobriu os
Judeus.
A grande
maioria dos Judeus aceitou a alternativa mais dura e procurou um lugar de
refúgio. Alguns tomaram navios e procuraram entrar em Gênova e outros portos da
Itália; foram repelidos e continuaram a navegar sofrendo dores e enfermidades
até atingir a costa da África, onde muitos foram assassinados por causa das joias
que acreditavam terem engolido. Alguns foram recebidos em Veneza, que sabia
quanto devia aos judeus de seu predomínio marítimo. Outros financiaram a viagem
de Colombo, homem de sua própria raça, na esperança de que o grande navegador
lhes encontrasse uma nova pátria. Um grande número embarcou nas frágeis
embarcações daquele tempo e subiu o Atlântico, entre uma Inglaterra hostil e
uma França adversa, para serem afinal aceitos pelo grande coração da pequena
Holanda. Entre eles encontrava-se uma família de judeus portugueses de nome
Espinosa.
Daí em diante
a Espanha decaiu e a Holanda prosperou. Os judeus construíram sua primeira
sinagoga em Amsterdam, em 1598; e quando, setenta e cinco anos mais tarde ,
construíram outra, a mais grandiosa de toda a Europa, seus vizinhos cristãos os
auxiliaram a financiar a obra. Os judeus estavam satisfeitos agora, se é que
podemos chegar a essa conclusão pelo robusto contentamento dos comerciantes e
rabinos a quem Rembrandt deu imortalidade. Mas pelos meados do século XVII o
curso estável dos acontecimentos foi interrompido por uma severa controvérsia
dentro da Sinagoga. Uriel Acosta, um inflamado jovem que sentira, como alguns outros
judeus, a influência cética da Renascença, escreveu um tratado atacando
vigorosamente a crença na imortalidade. Essa atitude negativa não era
necessariamente contrária à doutrina judaica mais antiga; mas a Sinagoga
obrigou-o a retratar-se publicamente, receando incorrer no desagrado de uma
comunidade que os recebera generosamente, mas se tornaria irreconciliavelmente hostil
a qualquer heresia ofendendo tão profundamente o que era considera a própria
essência do cristianismo. A norma da retratação e penitência exigia que o autor
se deitasse, atravessado, no umbral da sinagoga enquanto os membros da
congregação passavam por cima de seu corpo. Humilhado além do que podia
suportar, Uriel foi para casa, escreveu uma feroz acusação contra seus algozes
e matou-se com um tiro.
Isso aconteceu
em 1647. Naquele ano Baruch de Espinosa “o maior judeu dos tempos modernos” e o
maior dos filósofos modernos, era um rapaz de quinze anos, o estudante favorito
da Sinagoga.